14 de fev. de 2018

RESENHA - 5º TEPEQUÉM JAZZ & BLUES FESTIVAL – INTEGRANDO A MÚSICA LATINO-AMERICANA NO EXTREMO NORTE DO BRASIL


Por Victor Matheus – Blog Roraimarocknroll

Os festivais de Jazz e Blues mundo afora compartilham entre si elementos comuns e únicos para eventos deste gênero, sendo muitos deles realizados em locais distantes dos grandes centros urbanos, imersos na natureza, dotados de uma qualidade musical primorosa, programação diversificada e muita integração cultural. 

Foi com estes ingredientes, e muitos outros refinados, que a Pousada Platô do Tepequém realizou nos dias 10 e 11 de fevereiro no Bar Platô 2112 a 5ª Edição do Tepequém Jazz & Blues Festival.

Idealizado pelo conspirador cultural Joaci Luz, o Tepequém Jazz & Blues Festival é hoje um dos grandes atrativos da Serra do Tepequém na temporada de Carnaval, sendo uma das opções mais procuradas pelos roraimenses e turistas, em especial do Amazonas e Venezuela, que buscam a tranquilidade proporcionada pela natureza exuberante da região somado a efervescência cultural promovida pelo Festival.


TRANSPIRANDO ARTE


Durante os quatro dias em que estive presente na Pousada Platô do Tepequém, a convite de Joaci para fazer o cerimonial e cobertura do Festival para o Blog, presenciei momentos únicos e sublimes de muita arte transpirando para todos os lados, com sons de instrumentos se misturando ao canto de pássaros, conversas animadas, encontros e reencontros de amigos, visitantes de outros estados e países, temperados com muitos sorrisos, abraços e trocas de vivências.

O artista plástico Edinel Pereira assinou a identidade visual
do 5º Tepequém Jazz & Blues Festival


A arte visual do festival foi assinada pelo artista plástico Edinel Pereira e sua equipe de incríveis artistas, entre eles o seu irmão, o antropólogo Edinelson Macuxi, e seu filho Kauã Pires, um trio que transpira arte e transforma tudo que toca em belas obras visuais.

Para todos os lados, paredes, árvores, móveis e ‘cantinhos mágicos” do Bar Platô 2112, houve uma intervenção artística de Edinel, criando uma atmosfera ainda mais psicodélica ao já reconhecido e reverenciado Platô 2112. Um privilégio único poder contemplar sua obra e conviver com este incrível artista de berço roraimense.


ENCONTROS VISUAIS

O Tepequém Jazz Festival tem um poder incrível de atrair para si grandes artistas de diferentes expressões e estilos. A música é o carro chefe do Festival, mas as artes visuais protagonizam e brilham tanto quanto os artistas que sobem ao palco do Bar Platô 2112. 

Créditos: Akurima Pro Videography

Durante o Festival, vários artistas realizaram exposições, entre eles o pernambucano Adson Santos, com um belo trabalho de arte em couro fino, com peças sofisticadas, colares, pulseiras e adornos maravilhosos. Isaias Miliano, com sua arte crua, enraizada na cultura indígena, o psicodelismo abstrato da manauara Erica Valle. Telas profundas e delicadas do venezuelano Emiro Ojeda. Colares em pedras do também venezuelano Mário Lacúrcia. As cores vibrantes e alucinógenas de Edinel Pereira e Edinelson Macuxi. Um encontro visual único que só o Jazz Festival pode nos proporcionar.


José Francisco e a escritora Ana Paula no lançamento da Coletânea de Poesias
durante o 5º Tepequém Jazz e Blues Festival


O Festival ainda foi palco para o lançamento de uma Coletânea de Textos e Poemas da escritora e poeta baiana Ana Paula, trazendo a literatura para o já efervescente caldeirão cultural que é o Tepequém Jazz & Blues Festival.


RESPIRANDO CULTURA

Trocando uma ideia rápida com Joaci, entre um intervalo e outro da sua correria habitual durante o festival, é possível senti-lo emanando seu amor e envolvimento incondicional para com tudo e todos, por cada átomo de vida presente ao seu redor envolvidos neste Festival. Joaci não mede esforços para dar vida ao Tepequém Jazz e Blues Festival, e como um bom sagitariano e nordestino que é, sabe e faz na hora, não espera acontecer. 

Créditos: Akurima Pro

Aqui eu expresso meu apoio e admiração a sagacidade desse entusiasta da cultura latino-americana. Praticamente investido financeiramente sozinho no Festival, Joaci é um conspirador cultural que prova para qualquer um acomodado no meio cultural de Roraima, que não é preciso esperar de pires na mão a boa vontade do poder público para investir em um evento do porte que é hoje o Jazz Festival, um festival que envolve e fomenta o turismo, a cultura, o lazer, e ainda gera renda direta e indiretamente para os envolvidos no Festival e toda a comunidade da Vila do Tepequém.

Reunindo Hermanos venezuelanos para a sua equipe de trabalho no Festival, Joaci comprovou mais uma vez que não basta só ter o discurso solidário das redes sociais se o mesmo não tem validade na prática da vida real. 


Créditos: Akurima Pro

Quando se respira cultura e realiza seus projetos por e com amor, o resultado é o que presenciei nestes dias imersos por lá, pessoas felizes trabalhando com brilho nos olhos, envolvidas com arte, e sendo valorizadas por isso com toda a dignidade e respeito que Joaci sempre demonstra com todos que compartilham seus sonhos. 

Joaci é um cara do bem e sagaz, que dá exemplo real do que é ser solidário com atitudes como esta de reunir Hermanos para trabalhar juntos no Festival. Para mim isso é ser humano, é ter compaixão e empatia para com o próximo. Dar trabalho, dar afeto, proporcionar alegrias e reconhecer a importância do próximo. Tem o meu apoio!


VALORIZANDO A MÚSICA DE RORAIMA


A primeira noite musical do Tepequém Jazz & Blues Festival fez uma homenagem a música de Roraima, reunindo na programação artistas, bandas veteranas e a nova safra também, apresentando para o público a boa música com DNA roraimense.


Créditos: Akurima Pro Videography
Euterpe apresentou um show intimista no Festival


Com um show intimista, voz e violão, a cantora Euterpe abriu o festival interpretando músicas autorais, parceria com artistas de Roraima, homenagens aos 60 anos da Bossa Nova e ao mestre Tom Jobim. O show também contou a participação luxuosa no violão e na guitarra do músico Sérgio Barros. Uma apresentação de alto nível, da cantora roraimense de voz doce e presença magnética. 


Créditos: Akurima Pro Videography
Sérgio Barros - 30 anos de de carreira de muita música e inspiração no palco do Platô 2112


Sérgio Barros tem mais de 30 anos de carreira, dois discos lançados, e assim como Joaci, também é um fã de jazz e está à frente do IBVM Jazz Festival. O segundo a subir no palco do Festival, Sérgio Barros seguiu com a atmosfera intimista do show de Euterpe, somando performance solo com a participação especial da percussionista venezuelana Mercedes Castillo, e com uma jam session sensancional com a banda Jamrock, excitando o público do Festival, conduzindo seu show com a maestria e simpatia habitual, marca registrada de um dos maiores nomes da música contemporânea de Roraima.



Créditos: Larissa Pommerening
Modesto À Parte - Show coeso e cumprindo o que prometeu para o Festival


Estreando oficialmente na cena musical de Roraima, o quarteto Modesto à Parte foi a terceira atração da noite roraimense do Festival. Lançando no início do ano o clipe ‘Té’, uma canção com referências a Serra do Tepequém, a banda apresentou um show com músicas do EP Demo lançado em 2017, e releituras de bandas que influenciam seu trabalho, entre elas O Terno. Modesto À Parte fez um show sólido, cumprindo o que prometeu para o Festival: Muita psicodelia, experimentalismo sonoro e entrega sincera no palco, provando que são jovens músicos determinados a conquistar seu espaço e escrever seu nome na história da música de Roraima

Jamrock foi a penúltima banda a subir no palco da primeira noite do Festival. Tocando para um público animado, a banda apresentou grandes sucessos autorais, músicas inéditas do disco recém lançado no mercado, e parceria com artistas locais. Com uma performance habitual e conhecida do público, recheada de improvisos e participações, como do percussionista Mô Rasta, a Jamrock continua sendo uma das bandas mais coesas e competentes da música roraimense.


Créditos: Akurima Pro Videography
Banda Garden - O melhor show da noite roraimense do Festival


Fechando a primeira noite do Tepequém Jazz & Blues Festival, os veteranos da banda Garden literalmente subiram ao palco do Festival passando o rolo compressor nos ouvidos mais desavisados. Com um vigor digno de garotos de 15 anos, os Gardens destilaram clássicos do rock em altos decibéis, elevando a temperatura do Bar Platô 2112 para níveis vulcânicos. A guitarra visceral de Rodrigo Baraúna foi um verdadeiro deleite para os fãs de rock, e com um show que resumiu os mais de 20 anos de estrada, a Garden entregou o melhor show da primeira noite, mostrando que para se fazer rock, basta ser uma banda de rock, e tocar rock.


INTEGRANDO A AMÉRICA LATINA


A segunda e última noite do Tepequém Jazz & Blues Festival promoveu a integração da música latino-americana. Ampliando em qualidade e distância geográfica, neste ano o Festival reuniu os dois extremos geográficos do Brasil, trazendo artistas do extremo sul do Brasil, da Amazônia e da Venezuela, integrando ainda mais a já sólida conexão vigente entre a música roraimense, amazônica e latino-americana.


Créditos: Akurima Pro Videography
Manchinha Trio - O show mais hipnótico do Festival


Há tempos não assistia em Roraima um show da qualidade que foi o de abertura da segunda noite do Festival. Com uma longa carreira, o músico Manchinha apresentou o show mais sofisticado, hipnótico e “classudo” desta edição. Com sua gaita-ponto acompanhada do baterista venezuelano Fernando Millan, e do baixista paulista Daniel Lapola (Blue Cats), Manchinha desfilou um repertório de alto nível. Músicas autorais, homenagem aos mestres Hermeto Paschoal, Astor Piazzola, a música brasileira, frevo, a música nativista gaúcha (sua terra Natal), Manchinha dominou o palco do Festival como poucos já o fizeram, deixando o público inebriado, encerrando sua apresentação com um clímax intenso e festivo, com direito a pedido de bis. Para mim, um show de nível mundial e apresentado de forma magistral por um músico exímio e apaixonado pelo seu instrumento e que nos enche os olhos de emoção ao vê-lo tocando. Magnífico!



Créditos: Akurima Pro Videography
Kawatrio fez homenagem a Carlos Santana no 5º Tepequém Jazz e Blues Festival



A conexão amazônica continuou com a segunda atração da noite. Formado pelo guitar hero amazonense Gustavo Kawati, e contando também com a presença de Daniel Lapola e Fernando Millan, Kawatrio desfilou no palco do Festival clássicos do rock, blues, e uma homenagem ao mago da guitarra, Carlos Santana. O público já animado com o show anterior, foi ao delírio ao som do Kawatrio, uma verdadeira máquina de riffs de guitarra e improvisos lisérgicos, levando seu show ao pé da letra da essência do que é o Festival: um show com muito blues e jazz.



Créditos: Akurima Pro Videography
Matos Além - Lendas do rock roraimense de volta no palco do Platô 2112


O Festival sempre nos reserva boas surpresas, e neste ano presenciei a história do rock sendo escrita diante dos meus olhos. Com dois integrantes originais, Edinelson Macuxi e Oneron Pithán, a banda Matos Além (nascida no final dos anos 80 em Roraima) apresentou duas músicas autorais com o KawaTrio, para delírio do público, e êxtase dos autênticos roqueiros roraimenses orgulhosos da sua história escrita décadas atrás. Matos Além está mais vivo do que nunca, e dizem nos bastidores que voltará a cena do rock com novo material. Estamos na torcida.


Créditos: Akurima Pro Videography
Blues da Casa Torta - Show histórico na 5ª edição do Festival


A grande atração do Festival veio do extremo sul do Brasil. Pela primeira vez em Roraima, o trio gaúcho Blues da Casa Torta subiu ao palco do Festival para apresentar músicas autorais, homenagens ao blues, improvisos instrumentais, e muita interação com o público. Carismáticos e muito à vontade no palco, o Blues da Casa Torta tocou e arrebatou todos os presentes no Bar Platô 2112. Mantendo o lastro da qualidade musical da noite latino-americana, o trio gaúcho ganhou por definitivo o carinho do público roraimense e a garantia de um retorno muito em breve ao extremo norte do Brasil. Um show para entrar na história do Festival, como só poderia ser o Tepequém Jazz & Blues Festival.

A segunda e última noite do festival contou com um ingrediente especial, uma chuva que aglutinou todo o público na frente do palco do Bar Platô 2112. Com os shows entrando madrugada adentro e a temperatura local esfriando, tive que me retirar do evento por motivos pessoais antes do show dos Hermanos venezuelanos da banda Los Goliardos. Felizmente o camping da Pousada Platô do Tepequém fica a poucos metros de onde acontecia os shows, e mesmo ausente do local, pude ouvir e acompanhar a distância o show dos Goliardos, e a julgar pela animação do público e a festa musical caribenha tocada por eles, a 5ª edição do Festival encerrou com maestria, sendo um sucesso absoluto de público, de qualidade musical e de integração cultural, entalhando no extremo norte da Amazônia, seu legado definitivo para a cultura latino-americana.


A SÍNTESE DO FESTIVAL

Posso escrever dezenas de páginas e capítulos sobre o Festival e ainda não seria o suficiente para concretizar em palavras o que foi o Tepequém Jazz & Blues Festival de 2018.  A mágica que envolve o evento está além da música, dos shows, do local, das pessoas envolvidas, nas experiências sensoriais, nos encontros, reencontros e descobertas que o festival proporciona aos seus participantes.


Créditos: Akurima Pro Videography


O Festival é ao mesmo tempo vários festivais, vários microuniversos paralelos convivendo juntos, se transmutando e se aglutinando a todo instante, em cada canto de pássaro cortando o céu, numa roda de violão entre músicos, no almoço organizado pelos visitantes na cozinha coletiva, nas meditações na mandala da pousada, na contemplação do pôr do sol em alguma das cachoeiras ao redor da Vila Tepequém, no balanço da rede debaixo de alguma árvore ao redor das barracas depois de um almoço coletivo, no simples ócio existencial respirando o ar puro da Serra deixando os pensamentos livres percorrendo o tempo... É difícil descrever a vivência no Festival, mas se for possível, definimos como mágica e transcendental.

Presenciando um diálogo entre o músico gaúcho Manchinha e o percussionista venezuelano Juan Navarro sobre as peculiaridades da gaita-ponto, afinações, tons, estilos, diferenças com outros instrumentos de fole latino-americanos, enquanto estávamos na cozinha da sede da Pousada, numa manhã ensolarada de sábado, tomando um café amargo enquanto Manchinha apresentava ao amigo venezuelano Juan algumas peças musicais de diferentes autores e suas também, compreendi o que é a síntese do Festival, a conexão entre todos nós! 


Créditos: Akurima Pro Videography


Contemplando aquele momento único e sublime de um papo musical entre um brasileiro e um venezuelano, de línguas diferentes, culturas diferentes, mas unidas pela música e tudo que ela proporciona, compreendi o que é o Festival e a sua verdadeira essência primordial: Unir todos em um só, porque todos somos um, e sendo todos parte de um, seremos sempre um quando compartilhamos o melhor de nós com o mundo.


Créditos: Akurima Pro Videography



Encerro esta resenha com o coração feliz e grato pelo convite de Joaci para fazer parte da produção do Festival, testemunhar a história da cultura roraimense sendo escrita e sendo parte dela, e poder contribuir com esse projeto lindo e visionário promovido por um conspirador cultural ímpar, com seu próprio brilho e abençoado pelo Universo.

Vida longa ao Tepequém Jazz & Blues Festival, e que o amor e a sagacidade de Joaci pela cultura latino-americana inspire mais e mais pessoas a somar nesse trabalho incrível realizado pela Pousada Platô do Tepequém no Extremo Norte do Brasil.


Fecha a conta.


Saiba mais sobre o Tepequém Jazz e Blues Festival
www.facebook.com/tepequemjazz

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