31 de jan. de 2017

A AUTOSABOTAGEM DO ROCK MACUXI

Por Victor Matheus – Blog Roraimarocknroll 

A Lei da Oferta e Procura, ou Lei da Demanda, descreve o comportamento predominante dos consumidores na aquisição de bens e serviços em determinados períodos, em função de quantidades e preços. Nos períodos em que a oferta de um bem ou serviço excede à procura, seu preço tende a cair. Já em períodos nos quais a demanda passa a superar a oferta, a tendência é o aumento do preço.

Ao aplicarmos esse princípio econômico na cadeia produtiva da música, em especial no rock de Roraima, poderemos identificar e até prever como o mercado (cena) se comportará de acordo com a oferta e procura. Por exemplo: Se uma banda de rock local toca com uma frequência regular dando intervalos de semanas ou até meses entre um show e outro, a procura do público pelos shows dessa banda pode ser satisfatória, mas se a mesma banda tocar regularmente de uma a duas vezes por semana, muito provavelmente o público vai saturar de ouvi-la e prestigiá-la, ou seja, a oferta do seu serviço (show) excederá a procura (público) e seu preço (sucesso) tende a cair. Temos muitos exemplos de bandas locais que passaram por isso e hoje amargam um ostracismo ou até mesmo encerraram suas atividades. 

É lógico que esse princípio econômico depende de muitas variáveis, como estilo da banda, repertório (cover ou autoral), opções de lugares para se apresentar, público alvo, demanda de agenda, reconhecimento local, divulgação, marketing, etc. Porém, tratando da ainda jovem e prematura cena rock macuxi, em processo de ascensão, estas variáveis podem levar a banda à vanguarda ou ao ostracismo. 

O mesmo princípio se aplica a eventos, festivais, casa de shows, boates e bares de rock que promovem shows em Boa Vista. Na Praça do Centro Cívico, bandas locais covers e autorais se apresentam semanalmente em um bar, sempre com um público grande, diversificado e entrada franca. O sucesso é garantido e casa cheia também. No mesmo dia dos shows neste bar, outros bares voltados para o público rock também oferecem shows com banda locais autorais e covers, com entrada franca ou paga. 

Enquanto no bar do Centro Cívico as noites sempre são de grande público, o mesmo não acontece em outros bares, onde meia dúzia de gatos pingados aparecem para ouvir um rock ao vivo, mas acabam sempre indo embora mais cedo para ir ao bar do sucesso. A oferta (shows) neste caso excede a procura, e provavelmente um desses lugares haverá pouco, ou nenhum público, enquanto no outro a demanda será maior, e o lucro também. Além disso, enquanto uns bares pagam cachês para as bandas locais se apresentarem, outros não, o que só deprecia o trabalho das bandas. 

Outro fenômeno que pode contribuir também para essa demanda maior de público num evento ou show em determinado bar ou casa de shows é o efeito manada. Este fenômeno psicossocial é mais latente no cenário rock, onde as distâncias dos locais dos shows são próximas, e o público sempre acabará ficando onde houver maior aglomeração de pessoas. O bar do Centro Cívico é prova disso. 

Em cidades com grande densidade demográfica, a lei da oferta e procura tem efeitos menos nocivos para as bandas e as casas de shows. Em relação a Boa Vista, o efeito pode ser devastador. É claro que vivemos numa sociedade capitalista, onde a concorrência e qualidade na prestação dos serviços autorregulam o mercado, mas quem acompanha a história do rock macuxi desde o início dos anos dois mil sabe que a cadeia produtiva do rock local ainda não comporta uma grande demanda de shows similares e genéricos ao mesmo tempo. Neste caso, alguém vai sair perdendo. Ou, no pior cenário, todos. 

Este é o pior cenário que temos em fevereiro para o rock macuxi: A autossabotagem de bandas e eventos por meio da lei da oferta e procura. Numa cena tão pequena e carente de eventos como é a do rock roraimense, promover eventos com propostas similares (para não dizer iguais), com a mesma programação e bandas num curtíssimo espaço de tempo, menos de 24 horas, é um verdadeiro suicídio comercial. 

A ética e a política da boa vizinhança neste caso foram jogadas pelo ralo, e o que temos é uma situação que menos agrega e mais dilui a cena, prejudicando ambos os lados. Neste cenário, só quem se beneficia, em tese, é o público. Mesmo assim é um benefício com ressalvas, pois se levarmos em conta a qualidade profissional e o mercado, nem sempre o bem (banda) ou serviço (show) mais barato é melhor que outro de valor maior. 

Agora, inevitavelmente, vem o questionamento: Qual a solução para esta autossabotagem que anuncia ser um grande desastre para a cadeia produtiva do rock roraimense? Não temos a bola de cristal, mas podemos arriscar algumas pistas, como planejamento, diálogo entre os produtores locais, amadurecimento e profissionalismo das bandas e estratégias de marketing e parcerias na mídia para atingir o maior público possível para um determinado show ou evento a ser realizado. Há espaço, possibilidade de sucesso e bons lucros para todos, desde que a ética e o bom senso permeiem na cena local. 

O que esperamos, enquanto expectadores e divulgadores da história do rock do Extremo Norte do Brasil é que esse amadurecimento e profissionalismo realmente saiam do discurso das redes sociais, e que bandas e produtores de eventos locais passem a considerar as peculiaridades da cadeia produtiva do rock local, tão diferente, imaturo em muitos aspectos e também promissor em outros. 

Assim, todos ganham em reconhecimento, credibilidade, lucro financeiro e satisfação pessoal, e que o público, bandas, produtores, eventos e casa de shows cresçam e se multipliquem para, quem sabe muito em breve, a lei da oferta e procura favoreça a todos os que fazem parte dessa cadeia produtiva, e não apenas alguns egoístas e oportunistas que se apoiam na inocência e boa vontade das bandas do rock roraimense e exploram seu capital cultural em troca de algum lucro em cima do seu talento. 

Fecha a conta.

Um comentário:

Unknown disse...

Boa, gostei.
E entendi a referência...